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BONECA DE PANO

BONECA DE PANO

Quando criança brincava com bonecas de pano confeccionadas com carinho por minha avó. Tenho ainda bem claro na mente os movimentos de seus dedos grossos e calosos criando a boneca tão sonhada. Meu trabalho era o de enfiar a agulha e ficar perto calada enquanto ela tecia nossos sonhos, foram momentos eternos.

A boneca de pano faz parte da história de muitas pessoas: Dona Maria, uma senhora de 62 anos confeccionou os bonecos “Geraldo e Geralda” que ornamentam a fazenda Tradicional no Memorial Serra da Mesa. Ela conta que sempre gostou de fazer bonecas. Primogênita de uma família numerosa e pobre, as meninas brincavam de casinha e desde pequenas costuravam bonecas de pano. Numa época de educação rigorosa até os brinquedos eram vigiados. Dona Maria cita:

- Certa vez eu fiz uma bonequinha de pano bem barriguda imitando minha mãe na sua 8ª. gravidez. Fiquei muito feliz, aquela boneca se tornou a preferida, dormia abraçada com ela!

E continua:

- Num dia de manhã cedo minha mãe me acorda e vê a buneca barrigudinha perto de mim. Sai resmungano e vorta com um chicote de couro; apanho até sangrar prometeno queimar a buneca e nunca mais inventar bobagem!

Visitando o Abrigo para idosos Flor de Acácia na cidade de Uruaçu- Goiás, conheci a Messias, foi um grande achado, ela chegou e ficou comigo para sempre.

Messias com 78 anos de idade, reside no abrigo há 22, não se sabe sua origem certa, apenas que é baiana e veio para Uruaçu ainda criança. Tem dificuldades para falar, anda meio capenga e pelos depoimentos dos funcionários mais antigos ela sempre foi empregada doméstica.

Imaginei Messias com sua fala enrolada e seu jeito de andar trabalhando como doméstica em plena era do coronelismo, ditadura e acima de tudo discriminatória.

Tentei entrar em seu mundo e uma multidão de bonecas de pano traduziu tudo.

Messias faz bonecas de pano o tempo todo, os detalhes dos vestidos remendados contam sua vida difícil. As bonecas são suas filhas, sua mãe e principalmente sua avó, dorme abraçada com elas.

Ela não vende, apenas doa alguma para alguém que lhe é simpático. A montanha de bonecas de pano há 15 anos atrás incomodou e alguém do abrigo resolveu queimar deixando algumas mais próximas de Messias.

Porem ela não desistiu, trabalha até tarde da noite e seu quartinho já está superlotado de bonecas outra vez...

A vizinha de quarto está nervosa com ela, resmungando:

- ...ela roubou minha saia pra fazer bunecas!!

Messias não ouve, só tem o cuidado de amarrar bem a porta do quarto com muitas cordas para ninguém entrar, seu tesouro está lá.

Tentando falar com Messias, só consegui entender uma história vaga de uma menina que gostava de bananas, melancia e foi levada pelo pai, ela repete efusivamente:

- Levou menina! Tomou, bateu, menina queria banana, melancia! O homem levou menina!

Os segredos de Messias estão atrás do enorme cigarro de palha que ela traga e solta a fumaça sobre as bonecas e diz:

- Bom, bom mamãe!

É como se abençoasse as bonecas e depois a si mesma com a fumaça...

Messias doou quatro bonecas para o Memorial Serra da Mesa, porem mais que tudo ela doou sua história contada com gestos e sorrisos, seu deslumbramento ao ver o monjolo socando na fazenda, o forno de torrar farinha, a prateleira antiga e o pilão. Esses instrumentos de trabalho lhe são bem familiares e como são!

Messias ignora o mundo lá fora, para ela existe o abrigo que é sua casa, especialmente o quarto onde o mundo é de bonecas e de sonhos...

TEXTO por Sinvaline Pinheiro publicado em www.overmundo.com.br/overblog/boneca-de-pano

Um comentário:

  1. Adorei esse história, que coisa mais linda. Também gostaria de ver sua história de vida e suas bonecas, produtos dessa trajetória, melhor entendida e quem sabe respeitada.

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