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PEDRO SERRA DA MESA

Aqui falo do trabalhador Pedro, um homem especial que sempre pegou no pesado e tem todas as características do homem roceiro, sua voz é marcante pelo tom arrastado e diferente e sua história de vida retrata a vivência do afro descendente e do caboclo sertanejo.

Como disse Karl Marx:

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

Pedro Silva Rocha diz ter 39 anos, mas não tem certeza. Nasceu na fazenda Rio do Peixe no município de Niquelândia e hoje mora em Uruaçu Goiás.

O sobrenome não tem nada a ver com seus traços negros e seu perfil de homem do campo, Silva Rocha é uma família rica e pioneira de Niquelândia, Trairas e Uruaçu.

A explicação para esse sobrenome vem da história do povoamento de Goiás, que segundo os mais velhos era comum empregados com o sobrenome do patrão. Isso porque quando foi assinada a lei Áurea, o fazendeiro para não ficar sem seus serviçais, registrava os filhos pequenos dos escravos com seu sobrenome e assim estes podiam permanecer na fazenda trabalhando normalmente. Os avós e bisavós de Pedro, segundo ele, eram escravos.

Pedro é humilde, o que marca é seu modo de andar e o jeito de falar único.Seu trabalho é capinar roças, quintais e diz não sabe fazer outra coisa. Seu traje é sempre uma calça arregaçada acima dos joelhos, um boné virado para trás e uma camisa aberta deixando aparecer a barriga e quando não está descalço, está com uma velha botina.

Conheci –o quando pedia carona na saída de Uruaçu rumo à Niquelândia, me disse:

- O dona , a sinhora me oferece uma carona ai! To correno pruque o povo ta querendo mi bater, e vou dizê a verdade: num gosto di apanhá não!

Me simpatizei com aquela figura diferente e parecia ser sincero.

Daí a alguns dias o convidei para fazer parte das comemorações folclóricas no Memorial Serra da Mesa, ele se propôs a contar causos:

-Será que dô conta, num vô fazê feio não?

E ao microfone Pedro soltou o verbo:

- Tango calangotango, jabuti e nem lacraia, bicho que mata o homi ta dibaixo da saia!

- Em cima daquela serra passa carro e caminhão
Perereca na buzina urubu na direção
Perereca deu um peido e urubu caiu no chão

Um colega comentou que ele estava falando besteira, rápido retrucou:

- Esse cabra num é mais bobo por farta de ispaço!

Pedro foi sucesso no dia da Folia de São de José e no Dia do Índio no Memorial Serra da Mesa. Vestido de índio pegou o microfone com segurança e dizia:

- Índio é bom, índio não ranca mato, não suja água, não judia das criança!

E assim ele criou um repertório que chamou a atenção do público.

Surpreendi-o várias vezes esfregando os olhos e quando me via dizia:

- Caiu cisco no meu zói!

Após as apresentações fazia questão de perguntar se tinha ido bem e se podia voltar outro dia.

- Claro Pedro você já é um artista!

Confirmava e ele sorria feliz.

Num momento de descontração, lhe pedi que contasse um pouco sobre sua vida, responde rápido:

- Arguma coisa da minha vida? Vou começá logo rasgando a chita, se falá muito a sra. corrige!

E começa:

- Fui criado numa famia pobre, meio de carrancismo mermo! Assim no mei do mato, sem ricurso, mei na doida!

Dá fortes risadas, mas noto que esfrega os olhos escondendo uma lágrima. Deixo-o livre, pois se parece uma criança com medo, mas continua falando:

- Cheguei na cidade passei a cunhecê as coisa mais novata, cumo fogão de gás e outras coisa... Na roça os remédio era raiz de fedegoso pra tomar e curar arguma doença tipi estambo zangado... Esse negocio de hispital num tinha não!

Argumento:

- E os dentes como eram tratados?

Ele sorri, esfrega as mãos e diz:

- A gente iscovava com fumo ou cinza de fugão de lenha, e arrancava o denti à custa de linha de argodão, depois jogava em cima do teiado de sapé ou de babaçu dizeno: Morão, morão, tamo seu denti podi e me dá outo são!

Aí Pedro dá grandes gargalhadas completando:

- Isso é papeata dessis povo mais antigo, a sra sabe? Na minha famia eles usava muito ditado!

Sobre a leitura Pedro diz compenetrado:

-Sei lê mais ou meno, morano na roça quasi num aprendi pois tinha que ajudá meu pai capinar, nois era muito pobri, as veiz só tinha farinha pra cumê!
Lá arguma veiz eu leio, num seno matemática eu leio mais ou menos... Escrevê só garrancho, mas faço.

Quando peço para me falar sobre os melhores momentos de sua vida, ele baixa a cabeça, geme e demora a responder:

- Foi no tempo de eu pixote que num sirvia pra nada! Gostava de correr de cavalo de pau, cabo de bassoura e tomá banho no córgo, era só o que eu sabia fazê e assim num pricisava ir pra roça pruque era muito piqueno ainda!

Esfrega novamente os olhos:

- Mais fui cresceno ai fui pro pilão e pra enxada e cumo era muito custoso, apanhava muito!

Fica pensativo para dizer:

- O pió é que eu brigava dimais com minha irmã, fazia meus pai ficá quase maluco, fiço arte demais!

Dá fortes gargalhadas relembrando:

- Uma veiz joguei cisco de taboca no zoi de minha irmã, era uns espinzim, ela quaise ficou cega!... Mais tive que corrê pru mato e num adiantô nada, quando vortei pra janta e drumi, meu pai me pegou de vara!

Emocionado Pedro se cala. Me olha bem de perto e diz:

- Mais tem que dizê tudo? Eu num lembro direito, acho que vou chorá! Tô tão esquicido que num ta entrano na minha cachola as coisa direito! Vou pensá mais um pouco...

Pedro ainda é solteiro e sobre isso comenta:

- Graças a Deus nunca quis casá, conforme o casamento é sofrer duas veiz! Num vou negá e nem minti, nunca tive muié, quero não!

Sorrindo tira o boné:

- Oia pra mim, pixaim, cabelo ruim, do tempo do carrancismo, da antiguidade, quem vai querê? Pobri, da época do carro de boi, num tinha nem bicicreta a gente nem ouvia falá disso!

Quando ele fala de datas ai questiono sua idade, mas deixo rolar:

- Em 1950 por ai, quem usava carro de gasulina era ricaço, era só carro de boi e tropa. Geladeira entonse, nada! A luiz era na base da candeia de azeite!

Falando da família ele lembra:

- Só sei que feijão com farinha nois cumeu dimais por farta de arrois, já sofremo bastante. Trabaiava de arrimo pros outros em troca de mantimento: quaise assim tipo um dia de sirviço em troca de um litro de manteiga, nois num cunhicia essas mordomia aqui na rua...

Explica:

- Mordomia é igual hoje im dia vivê tranqüilo, tê máquina elétrica. Arguma época as muié ia pro batedor isfregar roupa na taba de chanfrão, num tinha escova, nem torneira, era na base da bica dagua. O arrois socado no minjolo, o café era feito de garapa de cana moída no engenho ou então macetava a cana e torcia na rabinha pra fazê o café. O café era arrancado no pé e depois de seco quebrava ele no pilão pra aí torrar na panela de ferro e moê no moim pra cuar.. O arroiz era tombem socado no pilão!

Sobre a comida ele descreve:

- O arrois era feito só na água e sal, o povo achava mais favorave. A carne era desses bicho do mato mermo... Argum viado, macaco... Já comi macaco demais. Os gaieiro meu pai matava cum espingara de dois tiro. Hoje o Ibama proibiu, num deixa matá mais não! Tombem num ta tendo bicho mais!

Depois de certo tempo pensativo, ele levanta e diz:

-Agora vou mim embora, mas cuma num gosto de minti, vou contá uma coisa pra sinhora...

Curiosa pergunto:

- Mesmo Pedro? Lembrou de alguma coisa interessante?

- A sinhora vai me discurpar, mas eu inganei a sinhora umas veizes!

Assustada acelerei a mente para descobrir em que fui enganada, quando Pedro com toda humildade revela:

- Sabi quando eu falei que tava com cisco no zói? Eu tava mintino pra sinhora, eu tava é chorano mermo!

Me despeço do Pedro, a figura humilde que representa o modo de ser do homem da roça, o trabalhador. Mesmo sempre na lida dura, no cabo da enxada e no pilão, Pedro tem um sonho: quer ser artista. Porém ele não sabe que naturalmente já é um grande artista...

Ele se vai e eu agora é que tenho um cisco no olho...




TEXTO: Sinvaline Pinheiro publicado em www.overmundo.com.br/overblog/pedro-trabalhador

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